Não Há Iniciações Democráticas
Actualmente não existem critérios esotéricos para se ser iniciado em muitas fraternidades ditas iniciáticas.
Os requisitos que René Guénon definira para classificar uma fraternidade como detentora de autênticos processos iniciáticos,
(1) a necessidade de uma genuína qualificação interna dos seus membros,
(2) a necessidade de uma transmissão espiritual,
(3) e a necessidade de actualização activa subsequente pelo esforço individual, desapareceram num ruidoso modus vivendi atulhado de usos e costumes profanos, com um simbolismo que já não compreendem.
Tomo, muitas vezes, como exemplo disso a Maçonaria.
Não por qualquer animosidade para com esta fraternidade onde tenho amigos e amigas, mas pelo facto de que desde o sec. XVIII ela ter sido o modelo de sistema pretensamente iniciático que influenciou quase todas as tentativas de reconstrução dos Antigos Mistérios, desde a OTO, a Golden Dawn e o próprio Wicca, este último tendo sido influenciado por uma Obediência conhecida por Co-Maçonaria, então dirigida pela filha de Annie Besant e com ilustres esoteristas como C. W.Leadbeater.
Tive a sorte de nos meus 20 anos de idade conhecer membros da Co-Maçonaria Inglesa, numa altura em que se tentava impor o seu modelo francês aqui em Portugal, a Maçonaria Mista O Direito Humano criada no século XIX por Marie Desraimes e Georges Martin - veja se quiser o artigo na HERNE sobre essa obediência maçónica (A Maçonaria Mista: Uma Perspectiva Ignorada).
Esses ingleses impressionaram-me !
Impressionaram-me como seres humanos, pela sua radiação aúrica e pela sua sabedoria, não se revendo na vulgaridade humana que vim a conhecer nos intelectuais do GOL ou na mentalidade "dona-de-casa" de Obediências como o Direito Humano.
Na realidade, eles eram praticantes de Teurgia e tinham tentado restabelecer as origens teúrgicas dos rituais maçónicos.
Outra questão típica da decadência esotérica nas fraternidades iniciáticas é o facto de se aceitar pessoas para iniciação com menos de 21 anos.
No passado era obrigatoriedade na Maçonaria ter mais de 31-33 anos de idade para se ser iniciado, mas hoje podem ser “iniciados “ adolescentes com 18 anos, muitas vezes sem qualquer maturidade anímica.
Isso é um puro desconhecimento dos princípios esotéricos que existem por detrás da Iniciação.
É este sentido democrático que prova o distanciamento e o desconhecimento dos princípios esotéricos que estão por detrás dos métodos iniciáticos.
Só tendo completado os 3 Septenários (7-14-21 anos) se pode oferecer determinados tipos de iniciação, simplesmente porque só nessa altura os seus 3 corpos (físico, etérico e astral) estão totalmente desenvolvidos, isto é, o individuo se tornou um ser autónomo e realizado sob o ponto de vista corpóreo.
Este requisito deve-se ao facto da Iniciação não ser um mero rito de passagem que celebra solenemente a entrada numa fraternidade, como as praxes nas universidades e nos clubes, mas um Influxo Espiritual que é polarizado em rito pelo/a Mestre/a de Iniciação, vindo dos domínios transcendentes do mundo suprasensível, e exercendo o seu efeito sobretudo ao nível dos seus corpos subtis.
Estando os corpos subtis ainda não completados na sua formação não é possível receber a Luz, receber essa indução gnóstica, sendo diluído em meras experiências organísmicas e imaginativas. A antiga Maçonaria exigia mais do que isso: ter mais de 28 anos.
O seu carácter especulativo exigia que se tivesse desenvolvido e alcançado a plena maturidade do seu corpo mental, que segundo a tradição esotérica é alcançado plenamente entre os 21 e os 28 anos, para poder usufruir dum elemento essencial: a intuição intelectual!
Mas, também isso não tem hoje importância, na minha opinião, tendo em conta que essas fraternidades não são muito diferentes das irmandades como a Confraria dos Joaquins ou a Confraria do Pão-de-Ló.
Já não são Fraternidades de Iniciação e a Luz que transferem nada mais é do que o clarão artificial da luz eléctrica, ou no melhor dos casos das velas, aos olhos desvendados do Aprendiz. Desde a Antiguidade que se aceita como critério fundamental no esoterismo que nem toda as pessoas têm as disposições de alma e de personalidade para serem iniciadas, embora nos Mistérios de Elêusis toda a gente pudesse ser iniciada, desde que soubesse fluentemente o grego, o pudesse pronunciar com clareza, e não tivesse praticado nenhum crime, pois a morte de alguém, mesmo involuntária, era uma impureza à Luz dos Mistérios e um crime à luz do Direito. O Imperador Constantino que matou a sua mulher a pontapé quando estava grávida, envenenou os sobrinhos e assassinou a sangue frio o irmão, tentou em vão ser iniciado em Elêusis e foi rejeitado.
Mas os bispos cristãos prometeram-lhe perdoar os seus pecados mais horrendos e alcançar o Reino de Deus depois de morrer... desde que transformasse o Cristianismo na religião oficial de Estado e abolisse a tolerância religiosa.
O resultado é o que se vê: crimes sobre crimes ao longo da história cristã, ao modelo do seu generoso Imperador, numa patológica odisseia serial-killer que torna o Cristianismo a mais repugnante religião que conheço.
Deixaram, por isso, um generoso contributo ás técnicas de tortura que os estados totalitários ainda hoje usam com proveito.
Os Mistérios de Elêusis afastavam, assim, da sua Iniciação os estrangeiros, os surdos e mudos, os gagos e os criminosos.
Nas Iniciações Nórdicas, que no esoterismo é entendido não abranger apenas as regiões germânicas e escandinavas mas também as regiões do Sul da Rússia e parte da Pérsia, antes de se entrar em iniciação tinha que se fazer várias provas físicas para demonstrar ter a astúcia e a coragem para confrontar-se com os terrores da Iniciação.
É este suplemento de coragem acima do nosso eu educado, prático e utilitário, que era necessário ser provado para se desenvolver o contacto com o mundo invisível.
Ainda hoje se diz na Tradição que as quatro forças do tetramorfo são: saber, querer, ousar e calar-se.
O ousar ainda lá está!
Quem visite o santuário de Paderborn e Detemold na Alemanha notará no cimo das suas falésias a 45 metros de altitude uns pontos de fixação ao qual se amarrava uma longa corda e aos quais os candidatos à iniciação tinham de se suspender e provar a sua coragem, atravessando o abismo entre elas, para assim poder ser recebido em Iniciação.
Mas, no Antigo Egipto a iniciação era reservada apenas à casta sacerdotal e à família do faraó.
A iniciação foi sempre reservada para algumas pessoas e nunca foi aberta a toda agente.
Porque se considerava ser necessário ter os elementos suprasensíveis que indiciassem uma verdadeira vocação. Por exemplo, nas Antigas Constituições da Antiga e Honorável Sociedade dos Maçons Livre e Aceites, de 1722, que apareceram em Londres como reacção da linha stuartista e católica da Maçonaria face à linha orangista e protestante que criou a Grande Loja de Londres em 1717, um ano antes também da tendência mais tolerante das Constituições de Anderson, exigia-se a crença na existência de Deus e respeitar a Santa Igreja... assim como não ter defeitos físicos.
Era uma tradição que vinha das Confrarias Oficinais da Idade Média que detinham rituais de passagem nos diferentes graus de proficiência da sua Arte, para os quais os defeitos físicos eram impróprios para o seu exercício.
Mas existia também uma dimensão esotérica para isso!
Um coxo não podia ser iniciado porque se considerava que a saúde e a perfeição do corpo era um signo da saúde e perfeição da alma (alma entendida aqui não só como principio sobrenatural da personalidade mas do conjunto das suas forças psico-vitais e seus domínios subtis ->> vem do latim “anima”, o que anima, o que nos confere também animalidade).
Muitas escolas de Iniciação não aceitam aleijados, idiotas, menores, pela razão de que é necessário que os corpos suprasensíveis estejam na disposição adequada para receber o influxo da iniciação, a indução.
Pela lei das correspondências uma pessoas mal formada de nascença não podia ser iniciada, nem que tivesse só o defeito de ter três dedos em vez de cinco, pela simples razão que essa má conformação do corpo era o efeito de uma defeituosa conformação da alma, isto é, da estrutura dos seus corpos subtis.
O facto de isso não ser uma reminiscência das origens oficinais da Maçonaria é o facto de essa incapacidade só ser aplicada quando tiver sido de nascença e não por acidente posterior.
O impulso de iniciação é como um vírus que transmuta o ser humano.
Esse impulso não existe no seu humano em potência, ou se existe só pode ser activado de fora. Houve uma época em que era possível fazer a sua iniciação, não por si próprio mas por intermédio de determinados espíritos e divindades.
Tratava-se de uma época em que o homem detinha ainda aquilo que a maior parte das pessoas perderam hoje: a clarividência atávica.
O sistema de Plotino em que se sobe ao longo das esferas planetares obrigando os Arcontes a ceder o seu conhecimento e sabedoria e conferindo a Iniciação, que muitas vezes é atribuída hoje solenemente e em teatro barroco nas organizações de inspiração maçónica ou, então, por mera atribuição administrativa, só era possível porque ainda se retinha uma fracção dessa clarividência racial.
Os rituais eram indutores dessa clarividência atavística.
Eles funcionavam pelo sistema de alavancas: multiplicando as forças da sua clarividência.
Os Grimórios como o Goetia, o Heptameron, O Livro da Sagrada Magia de Abra-Melin o Mago e o Grande Grimorio, baseavam-se no mesmo tipo de sistema: só funcionam em quem tem a clarividência instintiva, o “dom” como lhe chamavam as bruxas.
Quem não o tem pode bradar aos sete céus e aos infernos qlifoticos porque ninguém o escuta, a não ser o seu delírio e imaginação.
Foi desta possibilidade natural – que já se perdeu como elemento vivo da nossa estrutura cognitiva, ressalvando alguns casos especiais – que surgiu a idiotice da auto-iniciação no século XX.
Em parte isso tem a ver com completa redução do saber esotérico a um saber especulativo, racional, linear, que a Maçonaria Especulativa e Iluminista desenvolveu a partir do século XVIII no tempo da Ilustração.
Mas uma tradição iniciática, ao contrário do especulativismo filosófico, define-se por usar tudo aquilo que não é racional como elemento do seu caminho de transformação: o corpo, os desejos, as pulsões, a imaginação, a clarividência, a emoção, a intuição.
Tudo o que está abaixo do campo de percepção da cognição racional é usado como elemento de transformação no esoterismo.
Por isso usam-se símbolos, rituais, movimentos, etc.
Não há nada de mais cómico e falso do que se passar por esoterista a discorrer racionalmente com argumentos dialécticos sobre o simbolismo esotérico como se faz entre maçons.
É a prova cabal de uma completa ausência do sentido iniciático e prova cabal que já se fossilizaram em igreja liberal, clube de chá ou tertúlia de avental.
Há uma outra razão: o abusado erro de que é possível a auto-iniciação.
Isso deve-se à tradução da palavra “self-initiation” que, embora possa ser traduzida por auto-iniciação, corre o risco de rasurar o facto de que ela tem em inglês um conteúdo mais amplo e profundo: o facto da iniciação (Initiation) ser desencadeada pelo Ser (Self).
Ser iniciado pelo Self, pelo Ser ou Espírito Superior, implica uma tão grande modificação da estrutura cognitiva humana que só está reservada a alguns privilegiados.
Gostaria de lembrar contudo que Israel Regardie polemicamente defendeu em 1980 quando publicou o seu livro “Ceremonial Magic” que os quatro graus elementares da Golden Dawn podiam ser feitos pelo esforço de estudo, meditação e ritual, sem necessidade de Iniciação Corporativa, pelo simples facto de que o mundo elemental já faz parte da estrutura psicossomática e cognitiva humana.
Nos graus mais elevados de iniciação também se deve referir que a Iniciação é feita pelo Santo Anjo Guardião, ou Daimon, ou o Génio Interior, mas cabe dizer que é necessário ter passado por uma longa estrutura de trabalho e modificação da sua estrutura cognitiva antes dessa consecução e que só uma ordem mágica e iniciática consciente dos valores e técnicas da Gnose, hoje muito raras, podem fazer.
Autor:Setherion
Fonte: www.projectokarnaya.com
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