Helheim, um Sonho de Inverno
Durante o Inverno a humidade da chuva tem um efeito entorpecente sobre os nossos sentidos e a nossa acção.
Porém, essa chuva é o sémen divino que nos fecunda e nos prepara para mais uma Primavera. Com o Inverno chega também o tempo das memórias, numa viagem de recuo no tempo até aos nossos Antepassados, que deverá ser interpretada como sendo o regresso ao ambiente quente e húmido das paredes do útero materno no momento da nossa gestação.
O Regresso ao Útero
Nesta fase em que o tempo e o espaço não existem, a nossa parte espiritual flutua pelo cosmos, sorvendo a sabedoria das estrelas, enriquecendo-nos com um excelente potencial de transformação.
Penso ser este o momento de nos voltarmos para esse interior, para fazer germinar mais uma semente em nós, percorrendo os portais da morte, no escuro do útero.
A lembrança dos entes queridos falecidos é o convite para rompermos a membrana da placenta que nos protege no líquido aminiótico, dotado com a força do rejuvenescimento.
Esta viagem reserva-nos alguns encontros, simbolizados pelo conteúdo dos sonhos.
Na Tradição do Norte o frio anuncia-nos o contacto com as Portas do mundo nebuloso e gelado de Nifilheim, situado no ponto mais a Norte do eixo cósmico.
A Deusa do submundo, Hel, é a nossa anfitriã num périplo inebriado pelos vapores venenosos deste reino, o fumo tóxico dos pântanos que nos abre a porta a alucinações e ao terror dos nossos pesadelos, medos e fobias.
De acordo com os estudos de Regis Boyer, Hel terá sido uma das mais antigas Deusas da tradição mágico-religiosa dos povos da Europa Central e do Norte. O estudioso francês refere-se a uma reminiscência dos cultos aos mortos, que marcou a Idade da Pedra e do Bronze, a partir dos movimentos migratórios vindos das Estepes, a partir dos quais resultou a designação dos povos Indo-europeus.
Hel é a filha de Loki, um Deus do Caos (gerado por uma gigante do mundo do Fogo/Muspelheim), que habita as regiões sombrias do submundo, no mundo dos mortos, numa espécie de contraste ao Valhala, para onde só iam os guerreiros mortos em combate.
Hel: Vida e Morte
Esta perspectiva da morte decorre de uma mudança dos conceitos religiosos já em plena Idade do Ferro, em que as Divindades de natureza ctónica (como Hel) são suplantadas por divindades solares.
O carácter uraniano de Odin e Baldur constitui um marco dessa mudança nas culturas religiosas destes povos, que desde sempre consideraram o Sol como uma entidade vida e doadora de vida. Era o Fogo da Vida.
Tanto assim que Frey, um deus Vane e anterior a Odin, personificava os raios solares, sendo representado com um enorme falo (gládio) que penetra e fertiliza a terra de modo a fazer germinar a semente, entretanto fecundada pela chuva (outra das qualidades de Frey).
Refira-se que as nuvens eram um dos habitates dos Vanir, A Deusa Hel é vista com um corpo dual: a parte inferior é brilhante e os membros superiores são pálidos.
Inclusive metade do seu rosto é de um branco pálido e o outro é negro.
Ela é Vida e Morte ao mesmo tempo.
Ela anuncia com o seu rosto pálido e disforme a morte do ego e revela-nos com os seus membros inferiores, brilhantes como a luz das estrelas, o nosso potencial de transformação: a Vida.
Nos cultos a esta Deusa arcaica, os mortos eram enterrados e não incinerados como se vê já na cultura Viking.
Os corpos regressavam à terra, origem de toda a existência, como garante do eterno ciclo da vida: nascimento/vida/morte e renascimento.
Helheim é o nosso inconsciente, a parte do nosso psiquismo imerso no material recalcado das nossas emoções.
A viagem a este reino implica a morte dos disfarces da nossa persona e o reencontro com a nossa Individualidade.
É um mundo de brumas, onde nos deparamos com as ilusões que testam a nossa sanidade mental.
Loki assedia-nos e Hel entorpece-nos, lançando-nos num carrossel de insanidade.
O caminho até a esta Deusa consome os espíritos Nove Noites de viagem, de expiação pela nossa existência.
Neste reino, olhamos para um espelho que nos deforma a imagem.
O encontro com demónios precipita-nos para o abismo do que fomos e do que pretendemos largar.
Na fonte de Urdar, vigiada pela Nornir Urd, paramos três noites de angústia e visões do nosso passado.
Só depois destes confrontos seguiremos a caminhada de encontro com a enorme águia Ari, que assusta os mortos, e ao cão-lobo Garm, o mais vil dos cães de perseguição.
A tentação de Loki
Mas o Inverno traz também o fogo das lareiras, que durante a viagem de confronto com a nossa morte, surge na forma serpenteante de Loki.
O crepitar do fogo gera-nos ilusões, vislumbres de algo indefinível que acentua o desejo de conhecer, de sentir, de Ser.
Este fogo absorve-nos e devora os incautos, os que assumiram a presunção de estar preparados para o processo iniciático.
Com a aproximação da Primavera, começamos a tomar a posição típica de um bebé perto da hora do nascimento.
Damos a volta para que a cabeça se posicione para perto do canal vaginal, vislumbrando um ponto luminoso que nos promete um novo mundo e uma nova personalidade.
O que está oculto desvenda-se ao nosso olhar, na Runa Peorth, e aponta-nos o nosso poder pessoal, como em Escorpião.
Que a viagem na noite nos conduza à Luz da nossa Verdadeira Vontade.
Autor:Valquíria Valhalladur
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